quarta-feira, 11 de maio de 2011

Casa de Vó

Na casa da minha avó Maria, mãe da minha mãe, parece que o tempo não passa. A casa da vovó sempre foi encantadora – ou encantada!

Na verdade é um apartamento. Vovó mora até hoje no primeiro andar de um prédio bem grande e bem velho no centro da cidade. É um apartamento com três quartos, duas salas, uma cozinha e uma área enorme. Ah... a casa da vovó tem sacada! Eu sempre achei aquela sacada o máximo! Lembro até hoje do dia em que a vovó, minha irmã e eu comemos uma lata inteirinha de doce de leite debruçadas na sacada, vendo os carros passarem na avenida.

Um dos quartos é o do vovô e da vovó. Eu nunca entendi muito bem por que tinha uma bicicleta bem na frente da janela. E uma parede do quarto deles é forrada de portas de armário. Uma delas tem um espelho do lado de dentro, mas hoje em dia eu não me lembro mais qual é.

O outro quarto virou um escritório. Ou quarto de leitura. Hoje tem um computador lá, mas quando eu era pequena só tinha livros empoeirados em uma estante. Livros, muitos livros. De todas as cores, com todas as histórias, todos meio velhos. Eu ficava muito tempo vendo os títulos dos livros e pedindo indicações de leitura para minha avó.

O último quarto é o que era da minha mãe. A cama, a penteadeira, os armários e a cadeira dela estão lá até hoje, mesmo que já faça mais de trinta anos que a mamãe se casou com o papai e saiu de casa. Até o abajour vermelho ainda está lá! E funciona!

Passei muitas noites de sexta para sábado naquele quarto, deitada na cama e ouvindo as histórias que a vovó gostava de contar. Nesse quarto tem uns posters, tipo umas fotos bem grandes com imagens dos meus tios, dos meus pais, dos meus primos, da minha irmã e de mim, há muito e muito tempo! No meu pôster eu era só uma bebezinha! Minha mãe devia ter a minha idade no pôster dela!

A sala da casa da vovó tem um piano. E perto dele os sofás. E nos sofás tem um monte de almofadas. Lembro-me de ficar no sofá brincando com lãs de todas as cores, vendo a vovó fazer tricot. Lembro também de dedilhar o piano, tentando encontrar as notas desconhecidas dos meus primeiros métodos musicais. E eu não sei por que, mas a vovó sempre ficava lá ouvindo... e dizia que era a coisa mais linda mundo! Vai entender cabeça de vó!

A cozinha não é muito grande, mas eu me lembro de acordar com o cheiro de café nos sábados de manhã e sentar à mesa pra tomar café com leite e comer o pão com manteiga que a vovó fazia. A geladeira da vovó sempre foi lotada, cheia de potes com coisas estranhas dentro. De repolho cozido a iogurte feito em casa, lá tem de tudo! Até hoje!

E na área tem um monte de plantas. Lembro de varrer uma samambaia quando era pequena. Vovó falava que quando as folhas secavam tinha que tirar da planta, mas como ela ficava no alto precisávamos usar a vassoura. E lá ia eu dar vassouradas na coitada da plantinha. A samambaia não está mais lá.

E tinha também o quartinho da costura. Cheio de tecidos de todos os jeitos, de todas as cores. Alfinetes, fitas métricas, umas tais pedrinhas brancas que a vovó usava para riscar o pano. E uma máquina de costura preta, velha e barulhenta, que seguindo as ordens das mãos experientes de vovó, transformava um pedaço qualquer de pano em um lindo vestido para mim ou para minhas bonecas.

O cheiro... acho que a coisa que eu mais lembro da casa da vovó. Ela tem um cheiro, que eu não sei muito bem do que é. Mas é o cheiro da casa da vovó. Conheço ele desde pequenininha, e ele continua até hoje. É só entrar na casa da vovó e eu sinto aquele cheiro.

Também tem o som da casa da vovó. O barulho dos carros passando na avenida, a sirene do portão da garagem, a máquina de costura, o encostar das colheres nas panelas, o tic-tac do relógio da sala e o som baixinho do rádio. O rádio sempre estava ligado, com homens de vozes grossas falando as notícias do dia e discutindo os problemas de um mundo que eu ainda não conhecia.

Na casa da minha avó parece que as coisas são sempre iguais. Parece que o tempo não passa lá. Acho que é uma casa encantada. Sempre tem balas no pote de vidro que fica na porta de cima do armário da cozinha. Sempre tem meu avô sentado na poltrona ao lado do piano lendo seu jornal. Sempre tem plantas na área. Sempre tem aquelas benditas fotos de quando a gente era pequena em cima do móvel da sala. Sempre tem lugar pra mim na casa da minha avó.

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